sexta-feira, julho 13

Reencontro




Khanimambo - Depois de uma longa estrada, de alguns buracos, de alguns caminhos duvidosos, paramos o carro e podia-se ver ao longe algumas mulheres curvadas trabalhando numa plantação.

Hoje, plantam batata, arroz e tantas outras hortaliças.
Hoje, percorrem quilomêtros para buscar água.
Hoje, equilibram potes de mais de 50kg na cabeça.
Hoje, cozinham para em média 15 pessoas todos os dias.
Hoje, preparam a terra em suas machambas.
Hoje, cuidam daqueles que não podem mais trabalhar.
Hoje, olham pelas crianças.
Hoje, carregam as crianças em suas costas.
Hoje, cuidam dos maridos.
Hoje, buscam sementes na estrada principal.
Hoje, levam o que colheram para vender na estrada principal.
Hoje, cantam.
Hoje, não descansam.

Quando pergunto por seus filhos: dizem que estão na escola para aprender mais.
Quando pergunto por seus maridos: dizem que estão na África do Sul, nas minas de ouro ou em casa fazendo outras coisas.
Quando pergunto por elas e seus sonhos: dizem que estão bem e para o amanhã, só não querem mais passar fome.
São mulheres fortes, com traços de quem luta todo dia pela vida sem esquecer da doçura de um sorriso.
Ainda que não digam com todas as letras, sabem de sua força se permanecerem juntas. Querem ver a terra que cuidam todos os dias cheia de alfaces, rúculas, batatas e depois ver a panela de suas casas também cheias.
São mães, são avós, são mulheres, são filhas: verdadeiras guerreiras, escondidas a céu aberto no meio de uma savana moçambicana.

Usam capulanas, tecidos coloridos, na cabeça e como saias.

- Mas por que usam esses lenços? É para proteger do sol?

- É .... também é .... é ... é para ficar bonita!

São lindas as mulheres da Associação de Chicotane.

Fiquei conhecida como Mama Lúcia por lá e na minha próxima visita já disseram para que eu não esqueça a minha capulana.

Devo voltar lá algumas vezes.

Elas estão prontas e sonhando com o próximo passo: criação de frango para abate.

"Os encontros são feitos das mais diversas químicas, às vezes construídos simplesmente a partir de um olhar, ou da soma de pequenas situações cotidianas, que mudam a direção de nossas vidas. Poucos podem ser avaliados ou medidos cientificamente. Só o contato com a reconstrução da nossa experiência de vida, e um diálogo interno, podem validar a sua importância" Morgana Mazetti

Foi muito bom reencontrá-las com a mesma devoção pela vida! - Khanimambo.

Quase não saí e quase não cheguei



Khanimambo - Como não poderia deixar de ser, a chegada foi tão ou mais agitada do que a partida. Depois de horas numa fila interminável para embarcar no Brasil e quase perder o vôo, reclinei o máximo da poltrona, que não era muito, coloquei uma trilha sonora afro-brasileira e tentei encontrar o sono perdido das últimas semanas.

Não sabia que no exato momento em que pousei no aeroporto de Maputo, iniciava o que hoje chamo de ritual de passagem.

Estar inteira num lugar não é tarefa fácil. Conseguir viver o aqui e o agora é tarefa para uma vida inteira.


Saí do avião e fui direto para a imigração. Dessa vez, não foram as filas que me atrapalharam, e sim a sensação de que uma parte de mim ainda estava no Brasil.

A esteira rodava, rodava, as pessoas pegavam suas malas e nada...

Deixei o tempo passar um pouco. Sempre depositamos algumas esperanças que o tempo nos traga a solução. Mas, nesse caso, o tempo foi o porta voz da conclusão: minha mala estava se aventurando por outras paragens!


Recorri aos Achados e Perdidos, local mais requisitado do aeroporto. Falei com uma rapariga, que estava dividida entre atender uma fila de pessoas reclamando pelas suas malas e digitar os formulários necessários. Identifiquei a cor e modelo da minha mala num enorme catálogo e recebi a notícia que ainda no mesmo dia ela estaria em Maputo.


Depois de alguns telefonemas, voltei as 21 horas para encontrar o aeroporto vazio, quase sem luz. Começou naquele momento a novela das chaves, que terminaria somente no dia seguinte pela manhã.


Para abrir o depósito das malas era necessário que duas chaves estivessem juntas: a do Sr. Alfândega e a da Júlia, do Achados e Perdidos. Apesar de falarmos a mesma língua, essa tarefa foi uma das mais difíceis que já vivi.


Ninguém podia abandonar seu posto e cada departamento tem seus horários e cultura de funcionamento. Comecei as atividades de moderação antes mesmo de chegar em Macia.


A Júlia reclamava da arrogância dos gajos da Alfândega, e parecia ter medo de pedir um favor a eles. Por outro lado, o Sr. Alfândega, dizia que ela que teria que resolver o problema.


Sem minhas tarjetas e painel, voltei pra casa e só consegui tirar minha mala do aeroporto no dia seguinte depois de mobilizar o Sr. Dimas, de outro departamento desconhecido, a Lili, que adora o Brasil e que naquele dia estava disposta a ousar e romper com as regras, e lógico, depois de uma boa noite de sono, o bem humorado e simpático Sr. Alfândega.


Finalmente no domingo estava inteira, com minhas roupas, livros e lembranças do Brasil.


Acho que nada é por acaso, nem mesmo esse tempo extra no aeroporto. Precisava dele para verdadeiramente chegar por completo.


Essa sensação de chegar por partes, de sentir falta de algumas coisas, de estar aqui, mas estar um pouco lá, de medo do novo, de saudade do conhecido provoca uma mistura de sentimentos.


Tempo bom, tempo sábio!

Feliz por estar aqui e cheia de energia para novos caminhos.

Ufa, cheguei! - Khanimambo.