sexta-feira, agosto 31

A hora do voto




Khanimambo - Dessa vez, nós que acordamos as galinhas.

O sol ainda não dava sinais de substituir a lua, mas a estrada já estava lisa e pronta para ser percorrida.

Chegamos em Mahunhane por volta das 6 da manhã.

Os associados já estavam trabalhando na machamba.

Plantavam, regavam e colhiam.

Ritual que disciplina o tempo todos os dias.

Mas aquele dia, não era qualquer tempo.

Não era para ser qualquer dia.

Deixaram as enxadas descansarem a sombra do cajueiro.

As mulheres estenderam as capulanas e procuraram a melhor posição para o corpo. O corpo dos homens sossegou em troncos de árvores.

Um silêncio nervoso parecia querer explodir, quando o Consino, técnico rural, disse:

- Dia de eleições. Precisamos escolher a nova diretoria da associação. É hoje.

Os camponeses mostraram sorrisos que escondiam a ansiedade de semanas. Dava para escutar aquela zueira e ti ti ti que antecedem os grandes acontecimentos.

Em Mahunhane, os canditados surgem na hora. Quem quiser fazer parte da nova diretoria é só se levantar.

Além do Carlos, atual presidente, mas 8 canditados colocaram o corpo em movimento e se levantaram para o desafio.

Primeiro 5 homens e depois 4 mulheres, com um andar lento, quase que pedindo licença, completaram a fila dos canditados.

Cada um recebeu um número. Um registro de candidatura.

Não tinham cartas programa e nem mesmo partidos políticos.

Em Mahunhane, ninguém tem dúvida do que tem que ser feito.

Mesmo assim, cada candidato teve seu tempo.

Não foram controlados por relógios, por assessores e nem interrompidos por intervalos comerciais.

Era o momento deles falarem o que sentem sobre o trabalho.

Sem ilusões e nem falsas promessas.

No lugar da demagogia e versos já conhecidos, a pedagogia do coração.

Falas lentas, em compasso de espera da próxima palavra.

- Não conheciamos repolho. Agora já plantamos e comemos. Quero conhecer outros alimentos e plantar aqui na associação.Adriano, candidato 6

- Precisamos de encorajamento e de força. Precisamos seguir no caminho do desenvolvimento. Delfina, canditada 9

- A associação tem que chegar a um bom porto. Feliciano, candidato 3

Com o final das falas, as mãos, meio sem jeito, pegaram os lápis e cada um copiou o número de seus canditados escolhidos.

Momento de silêncio.

Momento de escolha.

Momento de concentração.

Momento de reflexão.

Ajudei alguns para que as mãos obedecessem suas vontades.

Outros, preferiram se afastar um pouquinho para fazer sua escolha.

Pensar e olhar de fora por segundos aquele grupo que se mistura a sua própria vida.

Numa caixa de bolacha de água e sal, já sem o uso original, cada um depositou seu voto.

Ao final eram 34 papéis.

Um a um foi aberto e contado em voz alta, para que todos pudessem escutar os números.

- 2, 4 ,7, 8 mais um 8...

Números que em outros tempos, são usados para mostrar as ausências e riquezas de Mahunhane.

Números que contam os recentes repolhos.

Mas, as galinhas que me desculpem, perderam um momento que nem um milhão de números e palavras irá traduzir.

Celebraram a reeleição do presidente.

Uma festa democrática, uma lição de cidadania.

Não pelas eleições, não pelo voto e nem pela urna.

Mas sim, por assumirem seus destinos, por outros muitos já esquecidos, e determinarem sua própria ordem e progresso.

Khanimambo

2 comentários:

Anônimo disse...

Fascinante!
Beijos e boa estada por aí.
ju

Anônimo disse...

Que bom te encontrar aqui novamente e reler sobre suas vivências! Excelente relato...excelente lição.