E agora, José?
Khanimambo - A associação de Magul e de Manzire hoje, além de estarem próximas uma da outra, formam a primeira União entre associações agro-pecuárias da região.
As duas juntas envolvem mais de 50 associados, ou seja, suas atividades impactam a vida de cerca de 650 pessoas.
A história não foi bem assim desde o início. Por estarem muito próximas, os camponeses das duas regiões disputaram por décadas as melhores terras, os poucos espaços de comercialização e por fim sempre chegavam a conclusão de que um não poderia viver ao lado do outro.
O que os colocou próximos foi um vacilo dos ancestrais.
Depois de dois anos intensos de conversas, resolução de conflitos entre os vivos e mortos, um canal de diálogo foi aberto. O resultado disso é visível. Além de aprimorarem as técnicas produtivas, a União tem a sua própria Casa Agrária.
Nesse espaço vão colocar uma descascadeira de arroz e assim assumir uma nova etapa de produção e melhoria de suas próprias vidas. Nessa semana, uma notícia parou as atividades da União.
Parou a finalização da obra da Casa Agrária.
Parou uma história de desenvolvimento.
E aqueceu as conversas por toda Macia.
A notícia não veio de longe e nem de gente desconhecida.
Numa casa perto da estrada nacional mora a Neli. É uma senhora de cerca de 80 anos que conhece todos e todos a conhecem.
Ela mora com as noras e netos. O marido já faleceu, na verdade nínguem nunca o viu. Seus netos saem pouco de casa. As noras, não se sabe ao certo quantas são.
Neli é a líder tradicional da região de Manzire e Magul. Não foi eleita, não se candidatou e nem mesmo pode renunciar ao seu cargo.
Os líderes tradicionais acumulam uma série de papéis.
Quando uma criança nasce, precisa visitar o líder para que ele determine que ervas e chás ela deve tomar para crescer forte.
Quando alguém está doente, rapidamente o líder deve ser consultado e dai a medicina tradicional deve ser respeitada.
São eles que determinam o uso das terras. A terra em Moçambique é pública, mas o uso dessa ou daquela parcela por esse ou aquele camponês, na prática, é determinado pelo líder tradicional em consulta aos ancestrais.
Quando alguém morre é o líder que faz a cerimônia final.
E ainda se você quer ter algum sucesso em um pequeno negócio é importante que o líder faça uma reza antes de começar suas atividades.
Muitos dizem que são curandeiros, outros que são feiticeiros. Mas não há dúvida sobre a sua ligação com os ancestrais e por isso temem suas palavras como quem escuta o veredito final.
O governo reconhece as lideranças tradicionais e portanto se junta aos camponeses nessa mistura de medo com respeito.
A Neli foi visitar a Casa Agrária da União esses dias e avaliou que o terreno que está sendo usado para a construção não é bem o que ela tinha imaginado.
Tinha sido consultada anteriormente mas, agora acredita que a Casa Agrária deve ser construída numa parcela menor, para que tenha mais sucesso.
Esse anúncio paralisou os camponeses, que não se sentem à vontade para negociar com os ancestrais.
- Isso poderia ter implicações para os nossos filhos! Não sabemos o que pode acontecer. Moazir - presidente da União
Esse anúncio nem de perto tocou a chefe do governo
- A Neli sabe das coisas por aqui. Você sabe... ela escuta eles. (ancestrais) Até podemos conversar e dialogar mas precisamos respeitar o tempo dos ancestrais... - Chefe de posto da localidade
As compras de materiais pararam. As fruteiras já encomendadas começam a ser perdidas. As pessoas da obra foram dispensadas e por volta de U$ 50.000,00 estão a espera de uma definição.
Esse caso não é isolado.
A crença nos ancestrais por vezes paralisa o camponês, mas no mesmo dia é o que faz acordar para seguir sua vida.
O que pode parecer ser uma sombra é luz ao mesmo tempo.
O que provoca medo é o que dá força e coragem ao mesmo tempo.
O que é real pode parecer de outro mundo no mesmo dia.
E agora, Neli? - Khanimambo
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